quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O desafio de novas políticas

Gestores de políticas públicas em diferentes níveis de governo e áreas de atuação são desafiados a formular, executar e avaliar políticas dirigidas a diferentes públicos jovens no contexto de intensas transformações nas formas e conteúdos das instituições sociais, transformações essas que interferem nas condições e capacidades dessas mesmas instituições de promoverem processos de socialização. Da mesma forma, professores precisam reconhecer que há tensões que podem ser produtivamente educativas ou geradoras de resistências. Trata-se, então, do jogo – e como tal necessita de regras bem definidas em torno do que se está disputando – entre o maior campo de autonomia que os jovens têm hoje e as relações de autoridade das quais adultos não podem abrir mão no trato com os mais jovens. Esses, ainda que mais individualizados e autônomos ante os adultos, são, por definição, sujeitos em formação pessoal. E, por isso mesmo, demandantes de mediações sociais para a conquista de aprendizagens de diferentes ordens (éticas, corpóreas, cognitivas, afetivas etc.). Essas mediações serão imprescindíveis para que os trânsitos para a vida adulta possam ser bem-sucedidos, em especial num mundo de tantos riscos e incertezas.
Os jovens “premiados” com postos de trabalho formais são, sem dúvida, os mais escolarizados. Não nos enganemos com as estatísticas de aumento da empregabilidade. Os postos de trabalho que têm crescido são postos no chamado trabalho indecente: trabalhos precários, sem previdência social e não raramente com exploração da carga horária de trabalho para além do permitido por lei. A escolarização adquirida no âmbito do ensino médio tem se apresentado como uma proteção para os jovens em busca de postos de trabalho. É inegável também que existe uma estreita relação entre desenvolvimento econômico-social e ampliação dos níveis de escolaridade da população.
Na atualidade, a discussão sobre escolarização e trabalho juvenil vem sendo polarizada em torno de duas posições. A primeira delas defende a implantação de políticas de apoio e transferência de renda para a promoção do retardamento do ingresso dos jovens no mercado de trabalho. Isso traria o consequente prolongamento do processo de escolarização como alternativa à inserção precoce e precarizada nos processos produtivos. A segunda posição reconhece que o trabalho pode constituir-se em campo de identificação positiva e favorecer a autonomia de jovens no processo de transição para a vida adulta. Essa última perspectiva busca compreender as estratégias e as perspectivas criadas pelos jovens diante das incertezas e dos riscos do mercado de trabalho e defende a definição de políticas públicas que garantam a conciliação entre estudo e trabalho de forma regulada e em benefício do processo de formação escolar e profissional. Do meu ponto de vista, essa é uma falsa dualidade, considerando que os contextos de transição dos jovens são diferenciados e que as políticas educacionais e de apoio aos jovens poderiam combinar as alternativas de forma a oferecer as duas possibilidades de suporte tanto à escolarização quanto à inserção nos mercados de trabalho. É preciso criar e estimular estruturas e estratégias de qualificação e apoio para o ingresso no mundo do trabalho concomitantemente à melhoria da formação de base e cidadã que se espera que o ensino médio proporcione aos seus estudantes.
A combinação entre escolarização de qualidade e inserção protegida no mundo trabalho, com fins de aprendizagem e qualificação profissional, reconhece a importância do trabalho na socialização dos jovens. Entre a ideia da escola integrada, que não pressupõe a relação direta com a esfera produtiva mas valoriza a relação com o mundo do trabalho, e o intercâmbio entre escola e mercado de trabalho existem mediações possíveis que precisam ser experimentadas. Os públicos estudantis são diversos e demandantes de alternativas plurais.
Os jovens têm afirmado que se sentem sozinhos e não encontram quem os apoie na busca de trabalho; também não encontram informações seguras sobre as carreiras que poderiam seguir em nível superior. Os que possuem maior volume de capitais (sociais e simbólicos) podem contar com redes que herdaram de seus familiares e que lhes possibilitam mais chances de acesso a melhores postos de trabalho. Os jovens populares, contudo, navegam em territórios mais áridos – e, como costumam dizer, além de uma escolarização frágil que lhes dificulta competir nos vestibulares e mercados, lhes falta Q.I. (quem indique) para as vagas “decentes” disponíveis. Eles e elas nos dizem, em síntese: “Estamos nos sentindo sozinhos, não temos com quem dialogar ou quem nos proteja”. Há muito pouca mediação entre os mercados de trabalho e aquilo que se aprendeu na escola, assim como parece existir um fosso intransponível entre a educação básica e aquilo que se encontrará na universidade. Tornam-se necessárias políticas públicas que possam realizar essas mediações, ampliando os processos de qualificação profissional em níveis médios e potencializando diálogos intraescolares e entre níveis de ensino, e que, fundamentalmente, gerem suportes que permitam aos jovens mais empobrecidos a escolarização em condições de maior igualdade em relação aos seus contemporâneos de classes sociais economicamente mais favorecidas.
Os desafios para bem equacionar a relação dos jovens com as escolas de ensino médio são múltiplos. É necessário manter-se aberta a possibilidade democratizante de continuidade dos estudos em nível superior, além de se permitir que a passagem pelo ensino médio seja estação suficiente para que jovens se qualifiquem como trabalhadores e tenham assegurados os seus direitos à formação técnica e profissional, ao primeiro emprego e encontrem também as condições adequadas para que se capacitem como cidadãos cultural e eticamente plenos. Não tenho dúvidas sobre o lugar de destaque e suporte na transição para a vida adulta que o ensino médio pode ter para os jovens e as jovens no Brasil.

Por Luciana Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário