Gestores de políticas públicas em diferentes níveis de
governo e áreas de atuação são desafiados a formular, executar e avaliar
políticas dirigidas a diferentes públicos jovens no contexto de intensas
transformações nas formas e conteúdos das instituições sociais, transformações
essas que interferem nas condições e capacidades dessas mesmas instituições de
promoverem processos de socialização. Da mesma forma, professores precisam
reconhecer que há tensões que podem ser produtivamente educativas ou geradoras
de resistências. Trata-se, então, do jogo – e como tal necessita de regras bem
definidas em torno do que se está disputando – entre o maior campo de autonomia
que os jovens têm hoje e as relações de autoridade das quais adultos não podem
abrir mão no trato com os mais jovens. Esses, ainda que mais individualizados e
autônomos ante os adultos, são, por definição, sujeitos em formação pessoal. E,
por isso mesmo, demandantes de mediações sociais para a conquista de
aprendizagens de diferentes ordens (éticas, corpóreas, cognitivas, afetivas
etc.). Essas mediações serão imprescindíveis para que os trânsitos para a vida
adulta possam ser bem-sucedidos, em especial num mundo de tantos riscos e
incertezas.
Os jovens “premiados” com postos de trabalho formais são, sem
dúvida, os mais escolarizados. Não nos enganemos com as estatísticas de aumento
da empregabilidade. Os postos de trabalho que têm crescido são postos no
chamado trabalho indecente: trabalhos precários, sem previdência social e não
raramente com exploração da carga horária de trabalho para além do permitido
por lei. A escolarização adquirida no âmbito do ensino médio tem se apresentado
como uma proteção para os jovens em busca de postos de trabalho. É inegável
também que existe uma estreita relação entre desenvolvimento econômico-social e
ampliação dos níveis de escolaridade da população.
Na atualidade, a discussão sobre escolarização e trabalho
juvenil vem sendo polarizada em torno de duas posições. A primeira delas
defende a implantação de políticas de apoio e transferência de renda para a
promoção do retardamento do ingresso dos jovens no mercado de trabalho. Isso traria
o consequente prolongamento do processo de escolarização como alternativa à
inserção precoce e precarizada nos processos produtivos. A segunda posição
reconhece que o trabalho pode constituir-se em campo de identificação positiva
e favorecer a autonomia de jovens no processo de transição para a vida adulta.
Essa última perspectiva busca compreender as estratégias e as perspectivas
criadas pelos jovens diante das incertezas e dos riscos do mercado de trabalho
e defende a definição de políticas públicas que garantam a conciliação entre
estudo e trabalho de forma regulada e em benefício do processo de formação
escolar e profissional. Do meu ponto de vista, essa é uma falsa dualidade,
considerando que os contextos de transição dos jovens são diferenciados e que
as políticas educacionais e de apoio aos jovens poderiam combinar as
alternativas de forma a oferecer as duas possibilidades de suporte tanto à
escolarização quanto à inserção nos mercados de trabalho. É preciso criar e
estimular estruturas e estratégias de qualificação e apoio para o ingresso no
mundo do trabalho concomitantemente à melhoria da formação de base e cidadã que
se espera que o ensino médio proporcione aos seus estudantes.
A combinação entre escolarização de qualidade e inserção
protegida no mundo trabalho, com fins de aprendizagem e qualificação
profissional, reconhece a importância do trabalho na socialização dos jovens.
Entre a ideia da escola integrada, que não pressupõe a relação direta com a
esfera produtiva mas valoriza a relação com o mundo do trabalho, e o
intercâmbio entre escola e mercado de trabalho existem mediações possíveis que
precisam ser experimentadas. Os públicos estudantis são diversos e demandantes
de alternativas plurais.
Os jovens têm afirmado que se sentem sozinhos e não encontram
quem os apoie na busca de trabalho; também não encontram informações seguras
sobre as carreiras que poderiam seguir em nível superior. Os que possuem maior
volume de capitais (sociais e simbólicos) podem contar com redes que herdaram
de seus familiares e que lhes possibilitam mais chances de acesso a melhores
postos de trabalho. Os jovens populares, contudo, navegam em territórios mais
áridos – e, como costumam dizer, além de uma escolarização frágil que lhes
dificulta competir nos vestibulares e mercados, lhes falta Q.I. (quem indique)
para as vagas “decentes” disponíveis. Eles e elas nos dizem, em síntese:
“Estamos nos sentindo sozinhos, não temos com quem dialogar ou quem nos
proteja”. Há muito pouca mediação entre os mercados de trabalho e aquilo que se
aprendeu na escola, assim como parece existir um fosso intransponível entre a
educação básica e aquilo que se encontrará na universidade. Tornam-se
necessárias políticas públicas que possam realizar essas mediações, ampliando
os processos de qualificação profissional em níveis médios e potencializando
diálogos intraescolares e entre níveis de ensino, e que, fundamentalmente,
gerem suportes que permitam aos jovens mais empobrecidos a escolarização em
condições de maior igualdade em relação aos seus contemporâneos de classes
sociais economicamente mais favorecidas.
Os desafios para bem equacionar a relação dos jovens com as
escolas de ensino médio são múltiplos. É necessário manter-se aberta a
possibilidade democratizante de continuidade dos estudos em nível superior,
além de se permitir que a passagem pelo ensino médio seja estação suficiente
para que jovens se qualifiquem como trabalhadores e tenham assegurados os seus
direitos à formação técnica e profissional, ao primeiro emprego e encontrem
também as condições adequadas para que se capacitem como cidadãos cultural e
eticamente plenos. Não tenho dúvidas sobre o lugar de destaque e suporte na
transição para a vida adulta que o ensino médio pode ter para os jovens e as
jovens no Brasil.
Por Luciana Reis
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